quinta-feira, junho 23, 2005

o rapto das flores


Hoje poucos conhecem e cumprem a tradição; mas, diz quem se lembra, que no concelho do Sabugal a noite de S. João era fatal para os vasos de flores:

São poucas as pessoas no Sabugal que ainda se recordam de ouvir falar na Confraria dos Solteiros, mas esta tradição é referida em alguma bibliografia do concelho. Diz-se que a confraria dos solteiros tomava a peito enfeitar todos os anos pelo São João, o campanário paroquial com vasos de flores. As raparigas conhecedoras da tradição rodeavam de cuidados especiais os mais formosos exemplares. No entanto, cravos, majericos, malvarrosas ou os amores que ornavam os peitoris das janelas e as resguardas dos balcões e as varandas das moças casadoiras não escapavam à confraria.
Joaquim Manuel Correia, in «Memórias da Minha Terra», conta que o maioral da confraria, em quem recaíam as honras ou os insucessos da função, inquiria os seus súbditos sobre quais os balcões, varandas ou janelas que valia a pena assaltar em demanda dos belos vasos. Os familiares das respectivas casas que iriam ser «assaltadas» que por ventura se encontrassem presentes não poderiam levantar quaisquer obstáculos aos raptos das próprias flores, operação em que todavia, lhes era proibido participar.
Por volta das duas da madrugada, toda a malta dividida em diferentes grupos de assalto se empenhavam activamente na tarefa para a qual previamente haviam sido mobilizadas escadas e andas.
Os portões eram abertos com tanto jeito; faziam-se negaças aos cães com nacos de pão e carne e anda-se em "pés de lã" para afastar toda a sombra de suspeita. Joaquim Manuel Correia diz que «complicada era a tarefa de ornamentar o esguio campanário». Fazia-se uma selecção de vasos e os menos vistosos eram estendidos pelos degraus de acesso aos sinos. Os de maior beleza e realce reservavam-se para o lugar mais nobre. E o mais formoso de todos ficava no cocuruto, mesmo ao lado do galo que marca a direcção dos ventos.
De manhã, as raparigas ao entrarem no adro da Igreja a caminho da missa formulavam juízos sobre a procedência das flores mais em destaque. E a dona das que adornam o mais alto raminho não deixava certamente de exultar. A exposição dura até ao São Pedro e nos dias de permeio, quatro ou cinco dias, os vasos eram frequentemente regados para que as flores não murchassem. Depois os rapazes que haviam cometido o furto iam de casa em casa entregar os preciosos vasos e faziam-no com o maior desvelo. Com o mesmo desvelo com que em arroubos de amor prometem tratar os corações das donzelas, suas amadas. (in
Terras da Beira)

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